domingo, 13 de junho de 2010

Anos 80 e o rock nacional



A década de 80 no Brasil foi marcada pela redemocratização política. Havia por aqui, uma geração em busca de identidade, numa época em que não havia internet e nem celulares. A juventude, se ainda manteve alguma esperança no futuro, não desenvolveu posicionamentos políticos claros como nos anos 60 e 70, mas promoveu novos heróis. Motivos pelos quais eram chamados de rebeldes sem-causa e de geração perdida. Contrariando a abertura política do período, a liberdade sexual trilhava o caminho inverso, devido ao novo vírus desconhecido (HIV), que se alastrava rapidamente. Todos esses fatores deram forma e vida ao rock nacional que estava lá, à margem do grande público desde a jovem guarda, e agora, através de seus novos poetas, “cuspia de volta o lixo” da alienação promovida pela ditadura militar na educação e nos meios de comunicação, principalmente a TV.



Se você, como eu, gosta muito de rock e acredita que deveria fazer parte da grade curricular da escola, provavelmente gostará muito desse post. Em alguns momentos, procurei priorizar Renato Russo (Legião Urbana) e Cazuza (Barão Vermelho), que não apenas na minha, mas na opinião de grande maioria dos críticos de música, são considerados os dois maiores expoentes da década perdida. Também podem ser considerados os dois maiores poetas do rock nacional, perdendo apenas para Raul Seixas, que na ocasião, dizia: "eeehhh... anos 80, charrete que perdeu o condutor".

Direto da garagem até o povo



Tomo como ponto de partida desta breve história sobre o rock oitentista brasileiro, o ano de 1982. É quando Evandro Mesquita trouxe a linguagem teatral para sua banda “Blitz” deslanchando o hit “você não soube me amar” nas rádios do Rio de Janeiro e garantindo espaço para as novíssimas bandas do cenário B-rock (uma espécie de “new “wave” tupiniquim). Eram bandas integradas por jovens, que cresceram no período militar, e aproveitaram-se da abertura política para desabafar. Não demorou muito até que outras capitais, como São Paulo, Brasília e Porto Alegre também começassem a descobrir suas bandas, que por algum tempo já fermentavam nas garagens das famílias de classe média, sobre o mesmo contexto do B-rock, mas com certas peculiaridades locais:


Rio de Janeiro: na cidade que revelou Cazuza e a banda Barão Vermelho ao Brasil, o rock contou com forte apoio das rádios e de uma casa de shows até hoje muito famosa, conhecida como Circo Voador.
Algumas das principais bandas:
Gang 90, Lobão, Barão Vermelho, Kid Abelha e Os Aboboras Selvagens, Paralamas do Sucesso.

São Paulo: f
oi marcado pela influência do punk rock e new wave londrino que era apresentado em casas de show alternativas como o Madame Satã e auditórios de colégios. Foi fortemente apoiado pela TV Cultura. Importante ressaltar a banda paulista RPM, que na segunda metade dos anos 80 conseguiu bater todos os recordes de vendagens da indústria fonográfica brasileira.
Algumas das principais bandas:
Ira, RPM, Titãs e Ultrage à Rigor.



banda paulista RPM em 1987

Brasília:
onde atingiram maior teor político e apesar da grande quantidade de bandas de garagem desde o fim dos anos 70, só conquistou relevância no cenário nacional em meados de 1986.
Algumas das principais bandas:
Legião Urbana, Plebe Rude e Capital Inicial;

Porto Alegre: dividia-se entre o pop de bandas como Engenheiros do Hawai e Nenhum de nós e o punk dos Replicantes, que se destacou mais tarde. Sempre teimou em ser diferente ou rotular-se diferente do resto do país, mania de gaucho. (risos)

Obs: entre as demais capitais se destaca a cidade de Salvador com a banda Camisa de Vênus e seu vocalista Marcelo Nova, que gravou o álbum "A panela do diabo" em parceria com Raul Seixas.

A televisão, popularizada no período militar, se tornou o meio de informação e alienação mais eficaz do país naquela época. Como num paradoxo, artistas que criticavam em suas músicas tal hegemonia televisiva e midiática, tornavam-se populares através da mesma apresentando-se em programas de auditório.



Com a realização do Rock in Rio, um grande festival dedicado ao ritmo, em 1985, o estilo ganhou a confiança das gravadoras e se mostrou rentável no Brasil. Como conseqüência, multiplicava-se a quantidade de bandas em todo país, de qualidade ou não. Destaca-se neste festival o Barão Vermelho e seu vocalista Cazuza.



Barão Vermelho e Cazuza ao centro

Cazuza, Renato Russo e a juventude brasileira dos anos 80

Ninguém melhor representou a contradição que o Brasil passava naquele período do que Cazuza e Renato Russo. Ambos influenciados pela cultura underground de sua época, e também pela contracultura dos anos 60 e 70, procuravam sempre adaptar sua poesia para o contexto nacional e social em que viviam. Como todo jovem de sua época, podiam não saber muito bem o que desejavam, mas sabiam exatamente do que não gostavam:

Cazuza:
“Cansado de correr na direção contrária, sem podium de chegada ou beijo de namorada”: juventude desiludida com a contracultura das duas décadas anteriores;
“Ideologia, eu quero uma pra viver": crise existencial típica do período pós-ditadura;

Renato Russo:
“Eu moro na rua, não tenho ninguém, eu moro em qualquer lugar”: desestruturação familiar causada pela liberação sexual das décadas anteriores;
“Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião”:o Brasil acabava de passar pelo seu maior período de industrialização e inchamento das cidades devido ao grande êxodo rural;
“Ninguém respeita a Constituição, mas todos acreditam no futuro da nação”:
contradição do período refletida no pensamento político.

Conclusão:
Rebeldes sem causa ou causadores da rebeldia?



A juventude, no contexto da redemocratização do Brasil, já não queria mais ficar calada e ao mesmo tempo pretendia diferenciar-se dos seus pais. Com o surgimento do b-rock, pela primeira vez, o “rebelde sem causa brasileiro”, pôde consumir uma música criticamente construtiva sem a necessidade de nenhum ativismo. Consumia-se música somente pelo simples fato de identificar-se com artistas que davam voz a juventude.

Passadas duas décadas de democracia, e as músicas que teceram as cicatrizes da ditadura brasileira continuam em grande parte atuais, populares e presentes no subconsciente coletivo. Artistas como Renato Russo e Cazuza agora habitam o imaginário de grande parte dos jovens nascidos nos anos 80 e até 90. O que isto significa? A redemocratização do país foi um período de contradição, inflação, e de grandes desafios para o país ainda muito imaturo politicamente, depois de um longo período governado à mão-de-ferro pelos militares. A população civil, desprovida de seus direitos políticos por décadas, agora precisava tomar decisões. Tais fatos influenciaram a poesia do período, que fez com que as contradições da adolescência se aproximassem da política em sua problemática.ca em sua problemática.

Um comentário:

  1. Show demais! É ótimo ler isso, porque logo vamos precisar de gente que seja assim novamente.... Parabens!

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